A eleição presidencial americana de 2016 e, na sequência, o Brexit, são referências globais dos impactos do fenômeno da desinformação sobre processos eleitorais e dos riscos que as desordens informativas oferecem ao ambiente democrático. Foi após esses eventos, que vários organismos eleitorais do mundo passaram a dedicar maior atenção ao enfrentamento da desinformação, dentre eles o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil.

A Justiça Eleitoral brasileira, que conjuga atribuições jurisdicionais com a tarefa de organizar o processo eleitoral, desde 2018 vem dando especial foco à desinformação eleitoral. Inicialmente, foi constituído comitê dedicado ao tema e instituído programa de enfrentamento voltado às eleições de 2020. Após o bem sucedido resultado dos trabalhos naquela eleição, o programa de enfrentamento passou a ter natureza permanente em 2021, tendo sido criada unidade administrativa com a específica missão de enfrentar a desinformação.

Considerando todos os desafios que envolvem o desempenho do combate às desordens informativas, o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação Eleitoral foi constituído com o objetivo de combater as informações manipuladas que envolvam à Justiça Eleitoral e os seus integrantes, o sistema eletrônico de votação e o processo eleitoral, em todas suas diferentes fases, partindo de uma abordagem sistêmica, multidisciplinar e multissetorial.

É destacado no plano estratégico que:

A fim de responder aos desafios que a desinformação impõe à integridade das eleições e à própria democracia, o Programa adota um modelo de organização e funcionamento “em rede”, fundado na mobilização dos órgãos da Justiça Eleitoral e na formação de parcerias estratégicas com múltiplos atores, incluindo os mais diversos organismos governamentais, organizações de imprensa e de checagem de fatos, provedores de aplicação de internet, entidades da sociedade civil, Academia e partidos políticos. Com isso, busca-se permitir a cooperação de toda a sociedade (whole of society), por meio do engajamento de atores privados, comunidades e indivíduos, além de outros órgãos públicos, na execução coordenada de ações de curto, médio e longo prazos, voltadas a mitigar os efeitos perniciosos da desinformação sobre o processo eleitoral.

Como se observa, a formação de parcerias estratégicas é um dos pontos centrais na atuação da Justiça Eleitoral para o enfrentamento da desinformação, permitindo suprir algumas demandas que por vezes não são possíveis de serem alcançadas por questões estruturais do órgão ou mesmo por conta de sua missão institucional. Nesse sentido, a construção de parceiras com plataformas digitais vem sendo desenvolvida desde 2018 e hoje conta com 12 big techs que estão formalmente em vinculadas ao programa de enfrentamento à desinformação brasileiro. São elas: Google, Facebook, Instagram, Youtube, Kwai, Tik Tok, Spotify, Linkedin, Twitter, Whatsapp, Twitch e Telegram.

O ciberespaço brasileiro possui números bastante expressivos: são 171,5 milhões de usuários ativos em redes sociais, o que equivale a 79,9% da população (que soma 214,7 milhões de pessoas), e que representa um crescimento de 14,3% em relação ao ano anterior. Dentre as principais plataformas utilizadas pelos brasileiros se destacam o Youtube (89%), instagram (85%) e o facebook (84%). Quanto aos serviços de mensageria, o mais popular é o whatsapp, que está instalado em 99% dos telefones habilitados no Brasil, seguido por Instagram (82%), Facebook Messenger (71%) e o Telegram (60%). Segundo dados apresentados pelo Instituto Reuters, em seu Digital News Report 2020, no qual foram abordados 40 países, 90% dos brasileiros utilizam as redes sociais para buscar notícias.

Considerada a intensa participação da população brasileira no ambiente digital, o estreito relacionamento com as plataformas se mostra bastante importante como forma de auxílio à missão de contenção da expansão do conteúdo desinformativo no ciberespaço e de despoluição do ecossistema informativo.

Sistema de alerta de desinformação contra as eleições

No âmbito da parceria com o Tribunal Superior Eleitoral, as big techs firmaram termo padrão de adesão ao Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação da Corte brasileira e subscreveram memorandos de entendimento que previram ações específicas. Em todos os acordos realizados com as plataformas foi prevista a criação de canal extrajudicial para denúncia de veiculação de conteúdo desinformador.

O Sistema de Alertas foi desenvolvido para utilizar esse importante canal de comunicação com as plataformas. Por meio dele, qualquer pessoa, independentemente de cadastramento prévio ou mesmo de identificação, pode encaminhar à Justiça Eleitoral denúncia de conteúdo contendo violação de termos de uso das plataformas digitais parceiras do programa, especificamente relacionado com desinformação ou disparo em massas relativa ao processo eleitoral. 

Importa registrar que o canal de denúncia não se destina ao tratamento de práticas ilícitas no âmbito da propaganda eleitoral (que possui sistema próprio de processamento), nem tampouco para informações manipuladas envolvendo disputa entre candidatos ao pleito ou partidos políticos. Tais questões podem ser objeto de ações específicas que envolvem a atuação jurisdicional da Corte.

Considerando que o programa de enfrentamento à desinformação do TSE está incluído nas atribuições administrativas da Justiça Eleitoral, notadamente na tarefa de organizar as eleições, a relação entre o Tribunal e as plataformas parceiras, no âmbito desses entendimentos, tem caráter não sancionatório, sendo baseado numa lógica de diálogo e cooperação.

Nesse sentido, inicialmente buscou-se fortalecer a transparência e a precisão dos termos de uso das plataformas no que se refere às políticas sobre desinformação e participação em processos cívicos. A ideia central é que o público tivesse acesso a informações claras sobre os comportamentos que não serão tolerados no âmbito de cada plataforma. A existência de diretrizes facilmente acessíveis, com conteúdo em língua portuguesa e com definições precisas e exemplos dos comportamentos não aceitos na convivência comunitária, são práticas bastante recomendáveis e que trazem mais assertividade e transparência no processo de moderação.

Por meio do Sistema de Alertas, as denúncias apresentadas passam por uma análise de adequação ao escopo do projeto pelo TSE e, identificada a possibilidade de ofensa a diretriz da plataforma em que foi publicada a mensagem, será enviada notificação à empresa de tecnologia para que realize sua própria avaliação e defina a providência que deverá ser adotada. Observe-se que a atividade de moderação não caberá à Corte Eleitoral, mas sim a cada uma das plataformas, que utilizará seus próprios termos de uso como paradigma para o desenvolvimento da atividade moderadora.

O lançamento do Sistema de Alertas ocorreu fim do mês de junho e, até o presente momento, quase duas mil notificações já foram enviadas às plataformas parceiras. Buscando trazer transparência ao funcionamento do canal, e permitir o escrutínio do desempenho das plataformas por pesquisadores e pela mídia, os dados coletados serão periodicamente disponibilizados, pelo organismo eleitoral. Dentre os dados divulgados constarão os links que foram apresentados nas denúncias, o que permitirá o acompanhamento do comportamento das plataformas em cada um dos casos reportados.

Vale destacar que dentre os comportamentos esperados diante de um conteúdo violador de política das plataformas não está apenas a retirada de veiculação da postagem em desconformidade, mas também a utilização de rótulos ou etiquetas indicando a falsidade ou imprecisão do conteúdo e também a redução de seu alcance na comunidade, além de outras medidas que possam contribuir na melhora do ambiente informacional.

O Sistema de Alertas é uma dentre várias ações desenvolvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral voltadas a oferecer resposta às desordens informativas publicadas em plataformas digitais e estimular à sociedade a aderir ao combate à desinformação eleitoral e fortalecer o ambiente democrático, que se beneficia de um contexto informacional que permita o fluxo de informações verdadeiras e plurais.


Cita recomendada: Vítor de Andrade Monteiro, «O “sistema de alertas” do programa brasileiro de enfrentamento à desinformação», IberICONnect, 03 de octubre de 2022. Disponible en: https://www.ibericonnect.blog/2022/10/o-sistema-de-alertas-do-programa-brasileiro-de-enfrentamento-a-desinformacao/

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